You Don't Have to Apologize

PORTUGUESE VERSION
(English translation below)

O objetivo do filme Não Precisa Pedir Desculpa é levantar um espelho às pessoas cisgênero. A ideia é fazer com que o público cis perceba que eles são os vilões da história, o grupo de amigos que acaba por matar Rafa podia ter sido eles, em especial os homens cis que assistirem o filme. E assim fazer com que o público cis questione suas concepções sobre pessoas trans e analize sua própria transfobia interior.

Essa história vem de um lugar de muita raiva dentro de mim. Eu escrevi esse roteiro depois que um amigo próximo errou os meus pronomes. Ele se corrigiu na hora e nós ignoramos o que aconteceu, em geral é como eu prefiro lidar com essa situação. Eu sempre fui o cara que fala que não precisa pedir desculpa. E em geral não me machuca tanto mais. Mas esse dia, por ter sido esse amigo em específico, me pegou. Porque eu sempre achei que ele era talvez o único cara cis que me via como homem de verdade, mas naquele momento eu percebi que não, que assim como todo o resto ele só tinha decorado meus pronomes. Isso me machucou muito, porque me fez encarar a verdade, que as pessoas cisgênero nunca vão te aceitar de verdade. Elas podem decorar seus pronomes, seu nome, mas no fundo? Você é uma mulher pra eles. Pro cara hetero que começa a falar que está questionando a sexualidade porque quer te comer, pros caras que são seus amigos e falam que você é um dos caras mas te tratam como as amigas mulheres deles, pras pessoas que te respeitam até que você faz alguma coisa que as irrita e então esse respeito é revogado como se fosse um privilégio. Passar pelo processo de aceitação disso é um luto, mas se você conseguir passar por ele, você vai sair muito mais forte.

A identidade queer e o gênero de terror sempre andaram de mãos dadas, desde Drácula até Garota Infernal. Por sermos demonizados, excluídos, forçados a viver à margem da sociedade, não é difícil se identificar mais com o monstro de Frankenstein do que com o Dr. Frankenstein, com Nosferatu e não com Thomas Hutter. Se ao nos aceitarmos e vivermos sem sentir vergonha de quem somos, formos considerados monstros e aberrações para a sociedade cis e hetero, que seja. Se para vocês somos monstros, iremos dar motivo para nos temerem, e é assim que o terror funciona como uma forma de empoderamento e auto afirmação para a identidade queer.

As alegorias típicas de repressão e desejo que estão frequentemente presentes no terror dialogam de forma extensa com a temática queer. Assim como a transformação, a monstruosidade e a ideia de ir contra às forças tão dizidas como naturais. Isso, em minha opinião, faz com que talvez a melhor via para contar uma história queer que realmente quebre com a heteronormatividade e a cisnormatividade seja o terror. Para que não seja somente uma narrativa com a aparência queer mas que no fim se encaixa perfeitamente nas expectativas para pessoas cis e hetero, como é o caso da maioria dos filmes com protagonismo queer que atingem notoriedade, filmes queer essencialmente feitos para serem palatáveis para o público heterossexual. Esse tipo de filme não deixa o público cis e hetero questionando seu próprio papel na opressão sistêmica da comunidade LGBT+, para isso é necessário causar desconforto, é necessário deixar um gosto amargo na boca, é necessário o terror.

ENGLISH TRANSLATION

The goal of the film "Não Precisa Pedir Desculpa" is to hold up a mirror to cisgender people. The idea is to make the cisgender audience realize that they are the villains of the story. The group of friends that ends up killing Rafa could have been them, especially the cisgender men watching the film. This is intended to make the cisgender audience question their preconceptions about transgender individuals and examine their own internal transphobia.

This story comes from a place of deep anger within me. I wrote this script after a close friend misgendered me. He corrected himself immediately, and we brushed off what happened—generally, that's how I prefer to handle such situations. I have always been the guy who says you don't need to apologize, and, in general, it doesn't hurt me as much anymore. But that day, because it was this specific friend, it hit me. Because I always thought he might be the only cisgender guy who saw me as a real man, but in that moment, I realized that, like everyone else, he had just memorized my pronouns. It hurt me a lot because it made me face the truth that cisgender people will never truly accept you. They may memorize your pronouns, your name, but deep down? You are a woman to them. For the heterosexual guy who claims he is questioning his sexuality just because he wants to sleep with you, for the guys who are your friends and say you're one of the guys but treat you like their female friends, for people who respect you until you do something that annoys them, and then that respect is revoked as if it were a privilege. Going through the acceptance of this is a grieving process, but if you can get through it, you will come out much stronger.

The queer identity and the horror genre have always been intertwined, from Dracula to Jennifer's Body. Because we are demonized, excluded, forced to live on the fringes of society, it's not hard to identify more with Frankenstein's monster than with Dr. Frankenstein, with Nosferatu rather than Thomas Hutter. If accepting ourselves and living without shame for who we are makes us monsters and freaks to cis and heterosexual society, so be it. If to you, we are monsters, we will give you a reason to fear us, and that's how horror functions as a form of empowerment and self-affirmation for the queer identity.

The typical allegories of repression and desire that are often present in horror extensively engage with queer themes. Just like transformation, monstrosity, and the idea of going against forces deemed as natural. In my opinion, this makes horror perhaps the best avenue to tell a queer story that truly breaks away from heteronormativity and cisnormativity. So that it's not just a narrative with the veneer of queerness that ultimately fits perfectly into the expectations of cis and heterosexual individuals, as is the case with most queer-led films that gain notoriety, queer films made to be palatable for a heterosexual audience. Such films don't leave cis and heterosexual audiences questioning their own role in the systemic oppression of the LGBT+ community. To achieve that, discomfort is necessary, leaving a bitter taste in the mouth, and horror is essential.