CONTEMPLATION DEADLOCK ATTEMPT

A tua obra é imortal.
Ela, remontará séculos.
Apesar de distorcida, está em nós,
Rodeia-nos, vivemo-la.

Inspirando pelo poema “Cabral”, de Paulo T. Bungué, meu pai, decidi investir na ideia de invocar novamente Amílcar Cabral para repensar o estado social, político e de direitos sociais que a Guiné-Bissau está vivendo nos últimos anos. No ano em que se comemora o centenário do nascimento de A. Cabral, torna-se sobretudo simbólico evidenciar a pluralidade do seu génio e influência tanto no mundo das artes como concretamente na raíz do pensamento dissidente e de autodeterminação, tanto para os povos quanto para as nações subjugadas.

Depois dos filme ‘Memória’ (2022), e ‘Latitude Fénix’ (2024) em que invoco figuras ilustres do passado colonial africano, para propor novas visões de reajuste e libertação no contexto filosófico atual, entendi que havia brecha e materiais suficientes para usar o mesmo dispositivo de re-memorialização dos valores independentistas que tanto marcaram a luta de Amílcar Cabral.

O poema “Boé” também escrito por Paulo T. Bungué no livro de poesia ‘Cabaró, Djito Tem!’ (Lisboa, 1996) é inicialmente trazido para o filme para condicionar o público pela narração poética, mas também enquanto introdução histórica do lugar. Apesar de não filmar as Colinas de Bóe, no Sul da Guiné-Bissau, o poema ‘Boé’ faz reverência ao local onde se proclamou unilateralmente a independência da Guiné-Bissau a 24 de setembro de 1974.

A Praça de Pindjiguiti, que é referenciada no filme ‘Memória’ (2022) e ‘Cacheu Cuntum’ (2019) é o local onde a 3 de agosto de 1959, muitos dos meus antepassados guineenses foram mortos brutalmente pela guarda portuguesa por não tolerarem a manifestação dos estivadores do porto que reivindicavam melhores condições de trabalho. Esse evento que é mencionado no poema “Cabral” despoletou o início da Luta de Libertação de Guiné-Bissau e Cabo Verde sob liderança de Amílcar Cabral.

Com imagens filmadas com dispositivo móvel, nas cidades de Lagos (Nigéria), Berlim, Lisboa, Ilha de São Tomé e Guiné-Bissau, em Contemplação Impasse Tentativa eu vislumbro um traço de carácter imersivo cinicamente comentado. Estou interessado em compreender melhor as camadas da sociedade Bissau-Guineense, mas mostrando que este meu corpo em trânsito (ver Corpo Periférico) é também um corpo-arquivístico que documenta o mundo sem se apartar dele.

Amílcar Cabral pediu ao povo da Guiné-Bissau para falar. Entendemos que muitos de nós estiveram sem poder falar desde sempre, embora haja pessoas com poder de fala mas não usam as palavras certas. Hoje, ao amanhecer, tivemos a triste constatação de que alguns jamais terão voz nos assuntos do povo, e outros não sabem se alguma vez terão a oportunidade de falar, em vida. Então, decidimos escolher um cidadão Bissau-Guineense para inspecionar o país em silêncio. Ninguém sabe como é, talvez nem saiba falar kriol, mas sabemos que é cria da terra. Felizmente, esse ser andrógino com espírito de mil crianças aceitou a sua missão, e demos-lhe o nosso Manto de Invisibilidade.

O simbolismo de um país mergulhado num caótico impasse operacional, é consertado pela população decidida a vencer pelo trabalho. Neste filme o artista Welket Bungué acompanha a odisseia de um missionário invisível, que transita entre povoados da Guiné-Bissau, tentando responder ao convite de Amílcar Cabral que deseja ouvir a voz emanada do coração do seu povo.
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DIRECTOR’S STATEMENT

Inspired by the poem ‘Cabral’ from my father Paulo T. Bungué, I decided to invoke Amílcar Cabral’s aura once again, in order to rethink the environmental, political and social rights situation that Guinea-Bissau has been experiencing in recent years. In the year we celebrate the centenary of A. Cabral's birth, it is especially symbolic to highlight the plurality of his genius and influence, both in the world of the arts and specifically at the root of dissident thinking and self-determination, both for peoples and for subjugated nations.

After the films ‘Calling Cabral’ (2022) and ‘Angular Phoenix’ (2024), in which I invoked illustrious figures from Africa's colonial past to propose new visions of readjustment and liberation in today's philosophical context, I realised that there was enough space and material to use the same meta-fictional approach to re-memorialise the independence values that so marked Amílcar Cabral's struggle.

The poem ‘Boé’ also written by Paulo T. Bungué in the poetry book ‘Cabaró, Djito Tem!’ (Lisbon, 1996) is initially brought into the film to condition the audience through the poetic narration, but also as a historical introduction to the place itself. Despite not filming the hills of Madina de Bóé, in the south of Guinea-Bissau, the poem ‘Boé’ pays homage to the place where Guinea-Bissau's independence was unilaterally proclaimed on 24 September 1974.

Pindjiguiti Square, which is referenced in the films ‘Calling Cabral’ (2022) and ‘Cacheu Cuntum’ (2019), is the place where, on 3 August 1959, many of my Bissau-Guinean ancestors were brutally killed by the Portuguese guards, as the colonial power didn’t tolerate a demonstration by dockworkers demanding better working conditions. This event, which is mentioned in the poem ‘Cabral’, triggered the beginning of the Liberation Struggle of Guinea-Bissau and Cape Verde under the leadership of Amílcar Cabral.

With images filmed with a mobile phone device in the cities of Lagos (Nigeria), Berlin, Lisbon, São Tomé Island and Guinea-Bissau, in Contemplation Deadlock Attempt I glimpse a cynically commented immersive character trait. I'm interested in better understanding the layers of Bissau-Guinean society, but showing that my body in transit - or, on the move - is also an archival body that documents the world without evading itself from it.

Amílcar Cabral asked the people of Guinea-Bissau to speak. We understand that many of us have always been unable to speak, but we also have people who can speak but don't use the right words. But at dawn today, we had the sad realisation that some of us will never be able to speak, and others don't know if they will ever have the opportunity to speak in their lifetime. So we decided to choose a Bissau-Guinean citizen to inspect the country in silence. Nobody knows how it looks like, perhaps it can't even speak Kriol (Portuguese Creole), but we do know that he is an offspring of the land. Fortunately, this androgynous being with the spirit of a thousand children accepted his mission and we gave them our Invisibility Cloak.

The symbolism of a country plunged into a chaotic operational impasse is repaired by a population determined to win through labour. In this film, artist Welket Bungué follows the odyssey of an invisible missionary, who moves between the villages of Guinea-Bissau, trying to respond to the invitation of Amílcar Cabral, who wants to hear the voice emanating from the hearts of his people.