cacheu CUNTUM

Between May and June 2019 I was in Guinea-Bissau for the first time, after leaving in 1991 on my way to Lisbon when I was only 3 years old. My return to the motherland was special, profound and very cosmic. On this return, already 31 years old, I ventured into Cabral and Okinka Pampa lands, taking in my company Kristin Bethge, my mother (Fátima B. Alatrache) and my sister Rosete, who lives in Bissau. Over about 30 days, I got to know the praça (name given to the central area of the capital Bissau), I visited the Cuntum Madina hood and other popular neighborhoods in Bissau, I knew the regions where Nhacra, Bambadinca and Ilhéu do Rei are located, and of course Cacheu. I was “uncovering” Cacheu and its famous fort with the statuary figures that antagonized the cultures and people of West Africa for about 400 years, such as Honório Pereira Barreto. Being there meant confronting myself with the deep slavish past that redefined the course of the history of the territory of Guinea-Bissau (native Kingdom of Papel, and Bissalanca), - because Cacheu was an important strategic post for the commercialization of enslaved people. Enslaved people who were brought from various places on the west coast of Africa, to be sold to the vessels that were going there to "replenish" with expropriated bodies of the African continent. Miguel de Barros, the renowned Guinean-Bissauan panafricanist sociologist, took me to Memorial of Slavery and Black Trafficking of Cacheu, where I was able to hear for the first time about the pre-colonial history of Guinea-Bissau through the voice of a young black man called Pascoal Gomes. Pascoal guided me through the Memorial while telling me almost instructively what was the modus operandi of the slavery and the regents who settled in Guinea-Bissau at the behest of the Portuguese crown, and who exploited abusively all the natural, human and symbolic resources, generating a triangulation of mercantile and profitable logic, which operated on the Guinea-Bissau, Cape Verde and Brazil axis. The recent history of Guinea-Bissau is very much based on the episodes of the pre-independence revolution and those that followed, - at least in my generation - are the ones that most proliferated as information about the chronicles of social-political life in Guinea- Bissau, between the century. XX to the present. It's true that the colonial period, given its violence, greatly distorted the view and esteem that some of us have for our country, but it also concealed the perfidious heritage of slavery given by Europeans, not only in Guinea-Bissau, but throughout Africa. This immeasurable loss of identity remains to be settled. However, over the days spent in Bissau, I went to Cuntum Madiana where I was able to witness for the first time a "toka tchur" which is, so to speak, a ritual for the passage of the earthly existence into the spiritual realm. On another occasion, I accompanied Kristin to that same neighborhood, but to photograph a boy Buba, who dreams of being a football player but quickly became enchanted by Kristin's camera, and I filmed them throughout this meeting. 'Cacheu Cuntum' has in image what neither distance nor time have allowed us to understand about the perception that the Guinean-Bissauan people have about their past. I speak of a past veiled by the countless falsehoods generated by the territorial occupation in the period of slavery and colonialism. This past is intended to be rescued through the printing and fixation of a renewed and vivid recordings, of what is the current and “metafitional” daily life, or of what could be reminiscent of those who resisted oppression over 4 centuries of inhuman occupation and exploitation. 'Cacheu Cuntum' proposes an audiovisual experience, visual or even just sonorous, of what are the various dimensions that comprise the genetics of the construction of the historical truth as opposed to the reality of the facts, which in turn should humanize and expiate those who have always been represented in place of the oppressed. Buba holds the camera, and forces us to look back on an inconceivable understanding of the imperialist and domination logic that was once practiced, and maybe also today, by the hegemonic nations that profit from a widespread precariousness in some territories in Africa. But, this film now exists, just as there were many other films and scriptures that couldn't been counted herenow, not with this freedom with which I speak to you today. That's why it's necessary to rethink History, even if only for a moment, at least we need the chance to rewrite it in a more free, lively and just way.

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Entre maio e Junho de 2019 estive pela primeira vez na Guiné-Bissau, após ter saído de lá em 1991 a caminho de Lisboa com apenas 3 anos de idade. O meu regresso à terra-mãe foi especial, profundo e muito cósmico. Nesse retorno, já com 31 ano de idade, aventurei-me por terras de Cabral e Okinka Pampa, levando em minha companhia a Kristin Bethge, a minha mãe (Fátima B. Alatrache) e ainda a minha irmã Rosete, que vive em Bissau. Ao longo de cerca de 30 dias, pude conhecer a praça (nome dado à zona centro da capital Bissau), conheci o Bairro Cuntum Madina e outros bairros populares de Bissau, conheci as regiões onde se situa Nhacra, Bambadinca, Ilhéu do Rei e claro Cacheu. Descobrir Cacheu e o seu famoso forte com as figuras estatuárias que antagonizaram as culturas e gentes da África ocidental durante cerca de 400 anos, tais como Honório Pereira Barreto. Estar ali significou confrontar-me com o passado esclavagista profundo que redefiniu o curso da história do território da Guiné-Bissau (nativo Reino Papel, e de Bissalanca), - porque justamente Cacheu foi um entreposto de grande relevância para o escoamento de pessoas escravizadas. Essas pessoas eram capturadas e trazidas de vários lugares da costa ocidental de África, para serem vendidos às embarcações que ali se iam “reabastecer” de corpos expropriados ao continente africano. Miguel de Barros, o célebre sociólogo Bissau-guineense panafricanista, levou-me ao Memorial de Escravatura e de Tráfico Negreiro de Cacheu onde pude pela primeira vez ouvir falar da história pré-colonial da Guiné-Bissau através da voz de um jovem homem negro de nome Pascoal Gomes. Pascoal guiava-me pelo Memorial enquanto me relatava quase que instrutivamente aquilo que foi o modus operandi dos escravocratas e regentes que se instalaram na Guiné-Bissau a mando da coroa portuguesa, e que exploravam todos os recursos naturais, humanos e simbólicos, gerando uma triangulação de lógica mercantilista e lucrativa, que funcionava no eixo Guiné-Bissau, Cabo Verde e Brasil. A história recente da Guiné-Bissau assenta-se muito nos episódios da pré-revolução independentista e os que se lhe seguiram, - pelo menos na minha geração - é o que mais se proliferou enquanto informação das crónicas da vida social-política na Guiné-Bissau, entre o séc. XX até à atualidade. É certo que o período colonial, dado a sua violência, deturpou muito a visão e estima que se tem pelo país, mas também escamoteou a pérfida herança da escravatura desferida pelos europeus não só na Guiné-Bissau, como em toda a África. Essa perda identitária incomensurável ainda segue por saldar. No entanto, ao longo dos dias passados em Bissau, foi a Cuntum Madiana onde pude presenciar pela primeira vez um "toka tchur" que é por assim dizer, um ritual de passagem da alma terrena para o mundo espiritual. Numa outra ocasião, acompanhei a Kristin a esse mesmo bairro, mas para fotografar um jovem chamado Buba, que tem o sonho de ser futebolista mas rapidamente se encantou pela máquina fotográfica da Kristin, e fui filmando-os ao longo desse encontro. 'Cacheu Cuntum' tem em imagem o que nem a distância, nem o tempo, nos permitiram até hoje compreender acerca da percepção que o povo Bissau-guineense tem sobre o seu passado. Falo de um passado velado pelas inúmeras falsidades geradas pela ocupação territorial no período da escravatura e colonial. Esse passado quer-se resgatar através da impressão e fixação de um renovado registo vivo, daquilo que é o cotidiano atual e “metaficional” daquilo que poderia ser a reminiscência dos que resistiram à opressão ao longo de 4 séculos de ocupação e exploração desumanas. 'Cacheu Cuntum' propõe uma experiência audiovisual, visual ou até, apenas sonora, daquilo que são as várias dimensões que compreendem a genética da construção da verdade histórica em oposição à realidade dos factos, que por sua vez deveriam humanizar e expiar os que sempre foram representados no lugar de oprimidos. Buba, segura a câmara e retrospetiva toda uma compreensão inconcebível na lógica imperialista e de dominação que outrora e ainda hoje é praticada pelas nações hegemónicas que lucram com a precariedade generalizada em alguns territórios em África. Mas, este filme agora existe, tal como existiram muitos outros filmes e escrituras que não puderam ser contados, não esta liberdade com que vos falo hoje. E por isso é preciso repensar a História, e nem que seja por instantes, que a possamos reescrever de uma maneira mais livre, viva e justa.